domingo, 12 de fevereiro de 2012

Foi inaugurada uma exposição sobre Fernando Pessoa e os seus heterónimos na sede da Fundação Calouste Gulbenkian – “Fernando Pessoa: Plural como o Universo”. Recuperaram uma arca que continha 25 mil “papéis” do poeta. Esta exposição pretende dar a conhecer a multiplicidade da obra do poeta. Um espaço completo de poemas, textos, documentos, fotografia e pintura, em que se incluem raridades como a primeira edição do livro Mensagem.  
Esta exposição pode ser visitada até 30 de Abril de 2012.


terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Álvaro de Campos

Características da poesia de Álvaro de Campos

Campos é o heterónimo mais complexo de Fernando Pessoa. O seu grande problema é a dor de pensar e para o tentar resolver arranja 3 soluções. Estas soluções dividem-se nas três fases do autor.
A primeira fase é a fase decadentista, a segunda fase é a fase futurista/ sensacionista e a terceira fase é a fase abúlica.
Campos – O Opiário (1.ªfase)
Esta fase data de Março de 1914 e diz respeito a um Campos doente, cansado do Mundo que o rodeia e que busca no ópio algum consolo. O sujeito poético não consegue sentir a vida sem pensar nela, por isso sente-se inadaptado e procura no ópio uma espécie de solução para a dor de pensar. O ópio permite-lhe adormecer o pensamento e tolerar melhor a vida.
Ex:    
“É antes do ópio que a minh'alma é doente.
  Sentir a vida convalesce e estiola
  E eu vou buscar ao ópio que consola
  Um Oriente ao oriente do Oriente” – Versos do poema “Opiário”
Na primeira quadra o poeta explica que consome ópio para fugir à dor de pensar, ou seja o ópio aparece como uma consequência à doença – quando ele não fuma está sempre doente pois não consegue deixar de pensar. Refere ainda que vai procurar o consolo num lugar distante, ao Oriente que simboliza o Paraíso e a salvação. O passado e o presente são comparados, proeza conseguida pelos efeitos do ópio. Vimos também que o ópio não é mais do que uma solução momentânea porque a sua doença está dentro dele e não é fugindo, que a conseguirá resolver. O ópio permite-lhe ainda o refúgio no passado o que torna ainda mais insuportável viver no presente.   
  
Campos – O Futurista/Sensacionista (2.ªfase)
Nesta fase o sujeito poético vive um sensacionismo excessivo, ou seja sente tudo de uma forma muito intensa, para que consiga deixar de pensar. O futurismo transmite movimento, velocidade e excesso – características do mundo industrializado. Campos pretende estar em completa harmonia com o meio das máquinas, mas como não consegue estar sempre a sentir tudo excessivamente desiste de tentar compreender o mundo através das sensações. A arte futurista visa chocar os outros, para tal, Campos recorre a versos muito longos, a anáforas apóstrofes, enumerações, exclamações e questões retóricas.
Ex:    
“À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
(…)
Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!
(…)
Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!
Hé-lá! He-hô Ho-o-o-o-o!
Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!
Ah não ser eu toda a gente e toda a parte! ” – Versos do poema “Ode Triunfal”
Neste poema a realidade provoca-lhe um estado febril e violento, resultante de sensações contraditórias. Existem marcas do estado febril em que o sujeito poético se encontra: os seus lábios estão secos e a cabeça arde-lhe. Este estado quase de delírio tem origem nos excessos do ambiente em que o sujeito poético se insere plenamente. O sujeito poético expressa o desejo de total identificação com as máquinas (símbolo de modernidade), estabelecendo com elas uma relação eufórica, delirante e quase doentia, assente num sensacionismo excessivo. Este poema tem um ritmo alucinante que é conseguido através das apóstrofes sucessivas, das interjeições, das repetições e das onomatopeias. A última estrofe do poema pode interpretar-se como uma confissão do fracasso, na medida em que o sujeito poético não conseguiu a plena identificação com o meio que pretendia.  






Campos – Fase abúlica (3.ªfase)
                Nesta fase, o poeta mostra-se abatido e descontente de si e dos outros. Nesta fase Campos aproxima-se muito do ortónimo no ceticismo, na dor de pensar e nas saudades da infância. Campos mostra-se pessimista e os seus poemas revelam o seu universo íntimo marcado pela solidão e pela inadaptação. Passou de uma fase eufórica para um momento de disforia onde se sente inadaptado e só.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto
.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
 (…)
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.” – Versos do poema “ Aniversário”
O poema “Aniversário” fala-nos da reflexão melancólica sobre o passado, a mágoa em relação ao presente e sensação de que o tempo passou. É referido também a inocência da criança e a sua despreocupação com o Mundo.

“Não: não quero nada.Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
(…)
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!” – Versos do poema “Lisbon Revisited (1923)


Neste poema, Campos revê a Lisboa da sua infância sem a reencontrar. A cidade está perdida para sempre, nada é capaz de a recuperar. Ali, ele sente-se como um estrangeiro. É como se nenhuma memória pudesse devolver o passado. Deste modo, o sujeito poético sente-se inadaptado na própria cidade onde nasceu, e nem as suas memórias o podem salvar desta inadaptação.   


Ricardo Reis

Reis é outro dos muitos heterónimos de Fernando Pessoa. Este teve uma educação latinista, desta forma os seus poemas são baseados na sintaxe latina - o verbo aparece no fim das frases, tem ainda influências dos Deuses e da filosofia grega. A sua poesia tem um estilo denso e construído, ou seja é um produto intelectual.
A poesia de Ricardo Reis é moralista- apresenta uma moral, transmite ensinamentos de vida e ainda é uma procura constante da perfeição.


Características da poesia de Ricardo Reis

A poesia de Ricardo Reis é marcada por duas características principais: o epicurismo e o estoicismo.
O epicurismo é uma doutrina filosófica que defende o prazer como caminho da felicidade. Para alcançar a felicidade, o homem bom deve atingir a ataraxia, ou seja tranquilidade absoluta, através dos prazeres moderados e evitando a dor. O homem não deve temer a morte e deve guiar-se no Mundo através das sensações sem esquecer que estas são sempre organizadas pela inteligência. Segundo o epicurismo, a vida do homem deverá ser sempre equilibrada e honesta.
Ex:
Não há tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
Assim saibamos,
Sábios incautos,
Não a viver,
Girassóis sempre
Fitando o Sol,
Da vida iremos
Tranquilos, tendo
Nem o remorso
De ter vivido.” – Estrofe 8 do poema “Mestre, são plácidas”

No poema “Mestre, são plácidas” Reis defende a filosofia de vida epicurista, para que o homem consiga atingir a ataraxia. No fim do poema, Reis, propõe-nos que saibamos não viver, mas passar como um rio porque o tempo passa de qualquer forma. Logo, não vale a pena fazer o que quer que seja. Desta forma morreremos tranquilos, já que nem sequer chegámos a viver.  



O estoicismo é uma corrente filosófica que defende a harmonia com a natureza e a aceitação das coisas tal como elas são, ou seja, aceitação do destino de uma forma tranquila, sem tentativas de o mudar. Reis considera que não vale a pena alimentar desejos ou esperanças pois é inútil tentar mudar algo que já está definido e também porque existe uma grande incompatibilidade entre aquilo que se deseja e aquilo que se alcança. O ideal é a apatia, a ausência de paixão e desejos.
Ex:
No poema “Cada um cumpre o destino que lhe cumpre”, o sujeito poético revela o seu conformismo face ao destino.
“Não tenhamos melhor conhecimento
Do que nos coube que de que nos coube.
Cumpramos o que somos.
Nada mais nos é dado
.” – 3.ª Quadra do poema “Cada um cumpre o destino que lhe cumpre”,

No poema “Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio”, é referido a ausência de paixões e desejos que o estoicismo defende.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
(…)
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
    Ouvindo correr o rio e vendo-o
.” – Versos do poema “Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.”,


O poeta defende ainda o prazer do momento (“carpe diem”) como caminho para a felicidade, ou seja devemos viver o momento presente, aproveitando moderadamente cada minuto pois é a única coisa que temos. No entanto, esse prazer deve ser vivido moderadamente, sem se ceder aos impulsos do destino.
Ex:
“Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma
,
Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,
Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.
(…)
Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio”
. – Poema “Não tenhas nada nas mãos”
Neste poema, para além de ser referido o ideal do “carpe diem”, também é referido que em vida devemos viver sozinhos, sem nos apegarmos a bens materiais nem a pessoas, pois quanto mais nos prendermos em vida às coisas, mais difícil vai ser de nos libertarmos delas quando a morte chegar.
“Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova
,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
    Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o o bolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
    Pagã triste e com flores no regaço.” – Últimas 2 estrofes do poema “Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.”
Este é outro exemplo de que não nos devemos apegar às coisas da vida, desta forma vamos ser mais felizes.


A nível formal, Reis revela um estilo trabalhado, rigoroso e clássico. Recorre à sintaxe clássica latina, à ode e emprega arcaísmos clássicos eruditas.