quinta-feira, 31 de maio de 2012

FHL: Estrutura, Linguagem, Espaço, Tempo e Simbologia

  • Estrutura

         Quanto à estrutura externa, podemos destacar a ausência de divisão em cenas e da existência de dois atos, que simbolizam duas formas de olhar o mesmo facto: no primeiro ato, dá-se ênfase ao olhar da regência; no segundo, ao do povo.
          Quanto à interna, a obra estabelece um paralelismo, começando ambos os atos da mesma forma. No entanto, o primeiro termina com a prisão de Gomes Freire e o segunda com a sua execução.

  • Linguagem

         A linguagem em Felizmente Há Luar! é composta por três diferentes tipos de discurso.
         O discurso político é usado pela regência e tem a função de dar legitimidade ao regime. Tendo um caráter argumentativo, é um instrumento de opressão.
         O discurso religioso é usado por Frei Diogo e por Principal Sousa. Este discurso é também argumentativo e, se, por um lado, se associa a questões sociais e políticas, por outro, servirá para apoiar o regime.
         O discurso popular é utilizado pelo povo. O vocabulário familiar e calão e o recurso à ironia compõem uma atitude crítica perante o poder.

  • Espaço

         Nesta obra, o espaço cénico é simples e despojado de objetos. A sua flexibilidade tem a finalidade de representar diferentes localizações. A mudança de espaço é feita pelos efeitos de luz e sombra.
         O espaço representado difere do cénico. Fisicamente, a ação decorre em Lisboa, sendo feitas alusões ao Rato, ao Rossio, ao Campo de Santana, ao Forte de S. Julião e à Serra de Santo António. Socialmente, a ação decorre na rua, onde o povo está, em condições de miséria e opressão; mas também decorre na sede da regência, o centro do poder. O espaço psicológico é composto pela ganância, em Beresford; pela incompetência, em D. Miguel; pelo medo, em Principal Sousa; e pelo companheirismo e pelas recordações de Matilde que nos permitem conhecer a vida de Gomes Freire.
  • Tempo

         A obra foi escrita em 1961. Nesta altura, Portugal tinha um governo totalitário e opressor. Entre as caraterísticas do regime, temos as desigualdades sociais, o analfabetismo do povo, os delatores, a prisão e tortura de todos os que se opunham ao regime e a perseguição e morte de Humberto Delgado.
         No tempo da história, 1817, havia um clima de revolta, perante um regime absolutista e opressor. Aqui Gomes Freire é executado. Este tempo usa a analogia para chama à atenção para a realidade da escrita, através da reflexão acerca do tempo da história.

  • Simbologia

         Ao longo da obra, deparamo-nos com diversos objetos que têm uma utilidade figurativa. Os tambores, por exemplo, simbolizam o regime opressor, enquanto que os sinos representam a participação da Igreja nos assuntos do Estado. A saia verde, ao simbolizar a liberdade e a esperança, opõe-se à moeda, que simboliza a arrogância e o desprezo. A noite simboliza a opressão, a injustiça, a miséria e o medo e, portanto, contrasta com o luar, que simboliza o conhecimento, a liberdade e a justiça. Por fim, a fogueira representará, por um lado, a morte, mas, por outro, a possibilidade de regeneração.

FHL: Temas

  1. O poder político e autoritário e a opressão política

         O poder político insere-se na estrutura de um regime absolutista, ou melhor: o Antigo Regime. Este regime é mantido através da opressão, mostrada por Manuel, no início de cada ato. A vigilância dos cidadãos, com a utilização dos delatores, e a prisão de todos os que contestam o regime também são necessário à sua manutenção.
         Sendo este o tema central da peça, tem um subtema encaixado: o medo e a passividade dos cidadãos, mais relevante no primeiro ato.
  2. O oportunismo e a hipocrisia

         O regime abdicou dos seus princípios éticos, pelo que existe uma crise de valores. A hipocrisia é utilizada pela regência para controlar o povo e, simultaneamente, defender interesses individuais e coletivos, mas apenas de uma determinada classe. A personagem mais hipócrita de todas é o Principal Sousa, porque é quem mais finge altruísmo e usa da fé cristã para atingir os seus objetivos. O oportunismo é visto sobretudo nos comportamentos dos delatores e de Beresford.
  3. A miséria e as injustiças sociais
         Este tema relaciona-se com o poder autoritário e com a opressão, na medida em que são seus efeitos. O povo vive em grande pobreza e tem noção de que não consegue alterar as suas condições de vida. Daqui exceptua-se Vicente, que é o único popular que conseguirá subir na vida, através da traição aos da sua classe.
  4. O amor e a solidariedade 
  5.       Estes temas contrastam com os sentimentos que caraterizam a regência. O amor é destacado na tentativa de Matilde salvar Gomes Freire. Já a solidariedade está presente no comportamento de Frei Diogo e de Sousa Falcão.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

FHL: Influências do Teatro Épico

     Agora que já estudámos o teatro épico (ou brechtiano), analisemos a obra Felizmente Há Luar!, inserida neste tipo de obra dramática. Para tal, vamos expor a época que retrata e a época em que foi publicada.



Retrata 1817
Publicada em 1961
Hipocrisia da sociedade
Denúncia da hipocrisia social
Povo oprimido e resignado
Povo oprimido e explorado
Clima de suspeição e denúncia
Clima de medo e denúncia
Luta contra o regime absolutista
Luta contra o regime ditatorial e totalitário
Passividade e obscurantismo
Ignorância e revolta


     Vejamos agora as semelhanças entre o protagonista da obra e uma personalidade histórica do Portugal no terceiro quartel do século XX.




     Com base no acima exposto, podemos concluir que Felizmente Há Luar! era uma obra de crítica ao regime em que foi publicada. De facto, em tempos de ditadura, não se podia imitar uma realidade que se queria criticar: daí a escolha da época das guerras liberais portuguesas. Esta crítica deveria ser eficaz, uma vez que não incide sobre uma realidade atual. No entanto, Luís Sttau Monteiro foi exilado e perseguido pela PIDE, pelo que esta obra só foi publicada em Portugal após a revolução de abril (1974).

«Escrita em 1961, Felizmente Há Luar! é uma peça através da qual o seu autor denuncia o totalitarismo e a violência do Estado, estabelecendo um paralelismo histórico com o período que antecede o liberalismo. Com efeito, o discurso implícito, ao longo da peça, é um discurso duro, de crítica e de análise, sobre um país isolado, ostracizado pela classe dirigente, miserável no ser e no sentir das suas gentes.»
Conceição Jacinto e Gabriela Lança, in Felizmente Há Luar!, Luís Sttau Monteiro

FHL: Sistematização

     O primeiro Ato inicia-se com os populares, que falam sobre o General Gomes Freire de Andrade. Destes, destacam-se o Antigo Soldado, que recorda o general com saudade e o elogia, Manuel e Rita. O povo é pobre e deposita no general a esperança de mudança da ordem social, referindo constantemente "se ele quisesse...". As frases incompletas indicam o medo, provocado pelo som dos tambores. Estes, sendo um símbolo apenas auditivo, representam o o poder que não se vê, mas está sempre presente.
     Por outro lado, destaca-se Vicente, um popular muito peculiar que tenta destruir a imagem do general. O seu objetivo é ascender profissionalmente, ou melhor: ser chefe da polícia. Para uma melhor persuasão dos restantes populares, finge ter orgulho em pertencer ao povo, acusando o general de ser igual a todos os outros regentes.
     Para além destes, destacam-se os representantes da regência: D. Miguel Forjaz, absolutista, representa o poder régio; Beresford, o poder militar; Principal Sousa, o poder religioso. O poder destes é sustentado pelos denunciantes: Vicente, como já foi referido, Andrade Corvo e Morais Sarmento, que acreditam que os fins justificam os meios.

     O segundo ato inicia-se novamente com os populares reunidos, que falam da moeda, mais concretamente da esmola, que vende a alma e limpa a consciência. O general foi preso e, na ótica dos mesmos, "a noite ficou mais escura", ou seja: já não há esperança, porque já não há nada a perder. Como tal, o povo já não tem medo dos tambores, pelo que não se dispersa quando os ouve tocar.
     Matilde, a mulher do general, aparece destroçada, revoltada e triste, demonstrando, também, determinação em libertar o marido. Sousa Falcão, o melhor amigo de Matilde e de Gomes Freire, alega que o amigo não conspirava e que nem sequer saía de casa. Na tentativa de libertar o marido, Matilde fala com Beresford e promete colaborar com a tirania, mas este humilha-a por querer vender a honra. De seguida, Matilde fala com o povo, que começa por a ignorar. Esta chama a atenção e demonstra desprezo por quem a ignora. A reação do povo é alegar ser pobre e desgraçado e pedir desculpa por não poder ajudar. Perante isto, Matilde acusa os populares de serem responsáveis pela provável morte do marido.
     Sousa Falcão diz que não autorizam ninguém a ver o general, mas tem conhecimento da situação do general na prisão. Este adoeceu, estava às escuras, esteve seis dias sem comer, não pôde escolher o advogado e teve direito a apenas duas mantas. Matilde agradece o apoio de Sousa Falcão e admite que ambos sabem que Gomes Freire não sairá vivo da prisão. Este fatalismo fá-la ficar melancólica e relembrar tempos felizes, como a compra de uma saia verde em Paris, numa altura em que estavam muitos pobres.
     Matilde recupera as esperanças e tenta falar com D. Miguel Forjaz, que, tal como Sousa Falcão tinha previsto, não os recebeu. Matilde, então, fala com Principal Sousa e implora que salve o marido. Sendo o seu pedido rejeitado, acusa o Principal de não ser cristão e roga-lhe pragas. Frei Diogo defende o general e diz a Matilde que o general pensa muito nela. Por esta rebelião, Principal Sousa expulsa ambos.

     Na cena final, Sousa Falcão aparece de preto: odeia-se, por achar que ele é que deveria estar preso, e, por isso, está de luto por si próprio, e não pelo general, que, a seu ver, morre com dignidade. Matilde aparece com a ser verde e despede-se de um ser imaginário, transmitindo-lhe amor e prometendo encontrar-se com ele. Ambos veem o clarão da fogueira, que representa o fim daquela era, mas o início de outra.

FHL: Momentos Lógicos

  •      1º Ato

  •  1º Momento:

    Diz respeito a Gomes Freire. Este é evocado com saudade e elogiado e é um símbolo de esperança para o povo.

     2º Momento:

    Preenchido pela fala de Vicente, que tenta destruir a imagem de Gomes Freire, por inveja, uma vez que o general é um perigo para a ascendência social que Vicente deseja: corrupta e antidemocrática.
     
  •      2º Ato

  •  1º Momento:

    Procede-se à condenação de Gomes Freire, a qual Matilde tenta contrariar, procurando salvar o marido.

     2º Momento:

    Assiste-se à morte de Gomes Freire.

FHL: O distanciamento no 1º Ato

     O teatro clássico baseia-se em fundamentos aristotélicos. Neste, a realidade é imitada ao máximo, de forma a existir um sentimento de identificação por parte do público. Este, estando emocionalmente envolvido, facilmente sente piedade ou terror pelo herói da peça, facilitando, assim a persuasão de uma mensagem moral.
     O teatro brechtiano opõe-se ao clássico precisamente por não haver um mínimo esforço de identificação com o público. Este pretende provocar estranheza. O distanciamento entre os atores e o público faz com que este não esteja toldado pelos sentimentos, permitindo uma avaliação mais racional e crítica, ou seja, uma atitude ativa.

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     A obra Felizmente Há Luar! foi criada com o mesmo intuito. O entusiasmo do povo não é sentido pelo público, bem como também não é a ganância arrogante de Vicente, quando assume clara e objetivamente o prazer e as vantagens de ser corrupto. Se estas declarações fossem feitas com uma persuasão subtil, o público provavelmente sentir-se-ia tentado a imitar. Não é assim que Vicente se expressa: ele expõe-se com brutidão. Isso faz o público ficar chocado e refletir.
     O mesmo acontece com a mudança de cenários e a alternância de personagens em palco. Não existindo cenas, os lugares, o tempo e as personagens vão sendo mudados através do apagar das luzes ou do incidir sobre uma porção do palco. São, portanto, poupados realismos e vai-se diretamente ao encontro do que é importante.

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     O elemento, no entanto, mais decisivo neste processo de distanciamento crítico é o começo da peça. Apenas a personagem que introduz a peça está iluminada e, sem apresentações, coloca perguntas surgidas aparentemente do nada, antes de virar as costas ao público e prolongar o discurso. Este gesto coloca o público numa posição ativa, desde o começo, por se aperceber daquela invulgaridade e da da necessidade de prestar atenção para compreender. O público fica, assim, apto para permanecer numa posição racional.
     O distanciamento em Felizmente Há Luar! tem ainda uma outra utilidade: por não representar nenhuma realidade concreta, não pode ser acusado de ser antissalazarista. É, portanto, uma crítica eficaz, em tempos de ditadura.

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O Teatro Brechtiano: Caraterísticas

     Previamente, o teatro clássico foi estudado. Este foi desenvolvido com base em fundamentos aristotélicos. A sua imagem de marca são as máscaras que representavam diferentes emoções. Estas máscaras pretendiam imitar a realidade. Para quê? Nada mais, nada menos do que fazer o público identificar-se com as personagens. Recordemos que este tipo de teatro era essencialmente pedagógico, de caráter instrutivo: provocando a piedade ou o terror no público, condicionava-se a multidão a aprender com os erros das personagens, ou melhor: a influenciar o público a não fazer aquilo que era condenado nas peças.
     O teatro épico, ou brechtiano, não pretende imitar a realidade, mas sim provocar a estranheza e o distanciamento do público. Se este não se identificar, não se envolver emocionalmente com nenhuma das personagens da peça, o seu pensamento deixa de estar toldados pelos seus sentimentos, permitindo, portanto, uma avaliação mais racional e crítica. O objetivo é, portanto, provocar uma atitude ativa no público, fazendo-o adotar uma posição crítica, social e / ou política. O espetador, em vez de sentir pena pela personagem, ou em vez de se amedrontar com uma ação, quebra a sua rotina, para refletir acerca de ações que se calhar tem feito, sem se aperceber dos seus impactos, ou sem se questionar: será que estou a agir bem?
     Por exemplo, os atores não tentam agradar ao público. Pelo contrário, querem chamar atenção. Muitas vezes, fazem de propósito para que seja difícil serem ouvidos: viram-se de costas, ou falam baixo, entre outras ações semelhantes. Desta forma, obrigam o público a prestar muita atenção ao que dizem: o espetador deixa a sua posição confortável na cadeira em que se senta.

«Esta teoria fundamenta-se numa análise marxista dos diferentes componentes do teatro e das suas relações com a sociedade: o espetador deve ser "produtivo", desempenhar um papel ativo na representação teatral. O autor, o encenador, o decorador e os atores não podem fazer-lhe imposições nem mergulhá-lo numa espécie de passividade hipnótica.
É preciso fazer apelo ao espírito crítico e a capacidade de julgamento do público, incitando-o a tomar decisões sociais.»
José António Camelo e Maria Helena Pecante, in «O Judeu» de Bernardo Santareno

     Concluímos, portanto, que o teatro brechtiano não é mimético. O seu objetivo é provocar uma atitude racional nos espetadores - algo conseguido através do distanciamento.