quinta-feira, 31 de maio de 2012

FHL: Estrutura, Linguagem, Espaço, Tempo e Simbologia

  • Estrutura

         Quanto à estrutura externa, podemos destacar a ausência de divisão em cenas e da existência de dois atos, que simbolizam duas formas de olhar o mesmo facto: no primeiro ato, dá-se ênfase ao olhar da regência; no segundo, ao do povo.
          Quanto à interna, a obra estabelece um paralelismo, começando ambos os atos da mesma forma. No entanto, o primeiro termina com a prisão de Gomes Freire e o segunda com a sua execução.

  • Linguagem

         A linguagem em Felizmente Há Luar! é composta por três diferentes tipos de discurso.
         O discurso político é usado pela regência e tem a função de dar legitimidade ao regime. Tendo um caráter argumentativo, é um instrumento de opressão.
         O discurso religioso é usado por Frei Diogo e por Principal Sousa. Este discurso é também argumentativo e, se, por um lado, se associa a questões sociais e políticas, por outro, servirá para apoiar o regime.
         O discurso popular é utilizado pelo povo. O vocabulário familiar e calão e o recurso à ironia compõem uma atitude crítica perante o poder.

  • Espaço

         Nesta obra, o espaço cénico é simples e despojado de objetos. A sua flexibilidade tem a finalidade de representar diferentes localizações. A mudança de espaço é feita pelos efeitos de luz e sombra.
         O espaço representado difere do cénico. Fisicamente, a ação decorre em Lisboa, sendo feitas alusões ao Rato, ao Rossio, ao Campo de Santana, ao Forte de S. Julião e à Serra de Santo António. Socialmente, a ação decorre na rua, onde o povo está, em condições de miséria e opressão; mas também decorre na sede da regência, o centro do poder. O espaço psicológico é composto pela ganância, em Beresford; pela incompetência, em D. Miguel; pelo medo, em Principal Sousa; e pelo companheirismo e pelas recordações de Matilde que nos permitem conhecer a vida de Gomes Freire.
  • Tempo

         A obra foi escrita em 1961. Nesta altura, Portugal tinha um governo totalitário e opressor. Entre as caraterísticas do regime, temos as desigualdades sociais, o analfabetismo do povo, os delatores, a prisão e tortura de todos os que se opunham ao regime e a perseguição e morte de Humberto Delgado.
         No tempo da história, 1817, havia um clima de revolta, perante um regime absolutista e opressor. Aqui Gomes Freire é executado. Este tempo usa a analogia para chama à atenção para a realidade da escrita, através da reflexão acerca do tempo da história.

  • Simbologia

         Ao longo da obra, deparamo-nos com diversos objetos que têm uma utilidade figurativa. Os tambores, por exemplo, simbolizam o regime opressor, enquanto que os sinos representam a participação da Igreja nos assuntos do Estado. A saia verde, ao simbolizar a liberdade e a esperança, opõe-se à moeda, que simboliza a arrogância e o desprezo. A noite simboliza a opressão, a injustiça, a miséria e o medo e, portanto, contrasta com o luar, que simboliza o conhecimento, a liberdade e a justiça. Por fim, a fogueira representará, por um lado, a morte, mas, por outro, a possibilidade de regeneração.

FHL: Temas

  1. O poder político e autoritário e a opressão política

         O poder político insere-se na estrutura de um regime absolutista, ou melhor: o Antigo Regime. Este regime é mantido através da opressão, mostrada por Manuel, no início de cada ato. A vigilância dos cidadãos, com a utilização dos delatores, e a prisão de todos os que contestam o regime também são necessário à sua manutenção.
         Sendo este o tema central da peça, tem um subtema encaixado: o medo e a passividade dos cidadãos, mais relevante no primeiro ato.
  2. O oportunismo e a hipocrisia

         O regime abdicou dos seus princípios éticos, pelo que existe uma crise de valores. A hipocrisia é utilizada pela regência para controlar o povo e, simultaneamente, defender interesses individuais e coletivos, mas apenas de uma determinada classe. A personagem mais hipócrita de todas é o Principal Sousa, porque é quem mais finge altruísmo e usa da fé cristã para atingir os seus objetivos. O oportunismo é visto sobretudo nos comportamentos dos delatores e de Beresford.
  3. A miséria e as injustiças sociais
         Este tema relaciona-se com o poder autoritário e com a opressão, na medida em que são seus efeitos. O povo vive em grande pobreza e tem noção de que não consegue alterar as suas condições de vida. Daqui exceptua-se Vicente, que é o único popular que conseguirá subir na vida, através da traição aos da sua classe.
  4. O amor e a solidariedade 
  5.       Estes temas contrastam com os sentimentos que caraterizam a regência. O amor é destacado na tentativa de Matilde salvar Gomes Freire. Já a solidariedade está presente no comportamento de Frei Diogo e de Sousa Falcão.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

FHL: Influências do Teatro Épico

     Agora que já estudámos o teatro épico (ou brechtiano), analisemos a obra Felizmente Há Luar!, inserida neste tipo de obra dramática. Para tal, vamos expor a época que retrata e a época em que foi publicada.



Retrata 1817
Publicada em 1961
Hipocrisia da sociedade
Denúncia da hipocrisia social
Povo oprimido e resignado
Povo oprimido e explorado
Clima de suspeição e denúncia
Clima de medo e denúncia
Luta contra o regime absolutista
Luta contra o regime ditatorial e totalitário
Passividade e obscurantismo
Ignorância e revolta


     Vejamos agora as semelhanças entre o protagonista da obra e uma personalidade histórica do Portugal no terceiro quartel do século XX.




     Com base no acima exposto, podemos concluir que Felizmente Há Luar! era uma obra de crítica ao regime em que foi publicada. De facto, em tempos de ditadura, não se podia imitar uma realidade que se queria criticar: daí a escolha da época das guerras liberais portuguesas. Esta crítica deveria ser eficaz, uma vez que não incide sobre uma realidade atual. No entanto, Luís Sttau Monteiro foi exilado e perseguido pela PIDE, pelo que esta obra só foi publicada em Portugal após a revolução de abril (1974).

«Escrita em 1961, Felizmente Há Luar! é uma peça através da qual o seu autor denuncia o totalitarismo e a violência do Estado, estabelecendo um paralelismo histórico com o período que antecede o liberalismo. Com efeito, o discurso implícito, ao longo da peça, é um discurso duro, de crítica e de análise, sobre um país isolado, ostracizado pela classe dirigente, miserável no ser e no sentir das suas gentes.»
Conceição Jacinto e Gabriela Lança, in Felizmente Há Luar!, Luís Sttau Monteiro

FHL: Sistematização

     O primeiro Ato inicia-se com os populares, que falam sobre o General Gomes Freire de Andrade. Destes, destacam-se o Antigo Soldado, que recorda o general com saudade e o elogia, Manuel e Rita. O povo é pobre e deposita no general a esperança de mudança da ordem social, referindo constantemente "se ele quisesse...". As frases incompletas indicam o medo, provocado pelo som dos tambores. Estes, sendo um símbolo apenas auditivo, representam o o poder que não se vê, mas está sempre presente.
     Por outro lado, destaca-se Vicente, um popular muito peculiar que tenta destruir a imagem do general. O seu objetivo é ascender profissionalmente, ou melhor: ser chefe da polícia. Para uma melhor persuasão dos restantes populares, finge ter orgulho em pertencer ao povo, acusando o general de ser igual a todos os outros regentes.
     Para além destes, destacam-se os representantes da regência: D. Miguel Forjaz, absolutista, representa o poder régio; Beresford, o poder militar; Principal Sousa, o poder religioso. O poder destes é sustentado pelos denunciantes: Vicente, como já foi referido, Andrade Corvo e Morais Sarmento, que acreditam que os fins justificam os meios.

     O segundo ato inicia-se novamente com os populares reunidos, que falam da moeda, mais concretamente da esmola, que vende a alma e limpa a consciência. O general foi preso e, na ótica dos mesmos, "a noite ficou mais escura", ou seja: já não há esperança, porque já não há nada a perder. Como tal, o povo já não tem medo dos tambores, pelo que não se dispersa quando os ouve tocar.
     Matilde, a mulher do general, aparece destroçada, revoltada e triste, demonstrando, também, determinação em libertar o marido. Sousa Falcão, o melhor amigo de Matilde e de Gomes Freire, alega que o amigo não conspirava e que nem sequer saía de casa. Na tentativa de libertar o marido, Matilde fala com Beresford e promete colaborar com a tirania, mas este humilha-a por querer vender a honra. De seguida, Matilde fala com o povo, que começa por a ignorar. Esta chama a atenção e demonstra desprezo por quem a ignora. A reação do povo é alegar ser pobre e desgraçado e pedir desculpa por não poder ajudar. Perante isto, Matilde acusa os populares de serem responsáveis pela provável morte do marido.
     Sousa Falcão diz que não autorizam ninguém a ver o general, mas tem conhecimento da situação do general na prisão. Este adoeceu, estava às escuras, esteve seis dias sem comer, não pôde escolher o advogado e teve direito a apenas duas mantas. Matilde agradece o apoio de Sousa Falcão e admite que ambos sabem que Gomes Freire não sairá vivo da prisão. Este fatalismo fá-la ficar melancólica e relembrar tempos felizes, como a compra de uma saia verde em Paris, numa altura em que estavam muitos pobres.
     Matilde recupera as esperanças e tenta falar com D. Miguel Forjaz, que, tal como Sousa Falcão tinha previsto, não os recebeu. Matilde, então, fala com Principal Sousa e implora que salve o marido. Sendo o seu pedido rejeitado, acusa o Principal de não ser cristão e roga-lhe pragas. Frei Diogo defende o general e diz a Matilde que o general pensa muito nela. Por esta rebelião, Principal Sousa expulsa ambos.

     Na cena final, Sousa Falcão aparece de preto: odeia-se, por achar que ele é que deveria estar preso, e, por isso, está de luto por si próprio, e não pelo general, que, a seu ver, morre com dignidade. Matilde aparece com a ser verde e despede-se de um ser imaginário, transmitindo-lhe amor e prometendo encontrar-se com ele. Ambos veem o clarão da fogueira, que representa o fim daquela era, mas o início de outra.

FHL: Momentos Lógicos

  •      1º Ato

  •  1º Momento:

    Diz respeito a Gomes Freire. Este é evocado com saudade e elogiado e é um símbolo de esperança para o povo.

     2º Momento:

    Preenchido pela fala de Vicente, que tenta destruir a imagem de Gomes Freire, por inveja, uma vez que o general é um perigo para a ascendência social que Vicente deseja: corrupta e antidemocrática.
     
  •      2º Ato

  •  1º Momento:

    Procede-se à condenação de Gomes Freire, a qual Matilde tenta contrariar, procurando salvar o marido.

     2º Momento:

    Assiste-se à morte de Gomes Freire.

FHL: O distanciamento no 1º Ato

     O teatro clássico baseia-se em fundamentos aristotélicos. Neste, a realidade é imitada ao máximo, de forma a existir um sentimento de identificação por parte do público. Este, estando emocionalmente envolvido, facilmente sente piedade ou terror pelo herói da peça, facilitando, assim a persuasão de uma mensagem moral.
     O teatro brechtiano opõe-se ao clássico precisamente por não haver um mínimo esforço de identificação com o público. Este pretende provocar estranheza. O distanciamento entre os atores e o público faz com que este não esteja toldado pelos sentimentos, permitindo uma avaliação mais racional e crítica, ou seja, uma atitude ativa.

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     A obra Felizmente Há Luar! foi criada com o mesmo intuito. O entusiasmo do povo não é sentido pelo público, bem como também não é a ganância arrogante de Vicente, quando assume clara e objetivamente o prazer e as vantagens de ser corrupto. Se estas declarações fossem feitas com uma persuasão subtil, o público provavelmente sentir-se-ia tentado a imitar. Não é assim que Vicente se expressa: ele expõe-se com brutidão. Isso faz o público ficar chocado e refletir.
     O mesmo acontece com a mudança de cenários e a alternância de personagens em palco. Não existindo cenas, os lugares, o tempo e as personagens vão sendo mudados através do apagar das luzes ou do incidir sobre uma porção do palco. São, portanto, poupados realismos e vai-se diretamente ao encontro do que é importante.

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     O elemento, no entanto, mais decisivo neste processo de distanciamento crítico é o começo da peça. Apenas a personagem que introduz a peça está iluminada e, sem apresentações, coloca perguntas surgidas aparentemente do nada, antes de virar as costas ao público e prolongar o discurso. Este gesto coloca o público numa posição ativa, desde o começo, por se aperceber daquela invulgaridade e da da necessidade de prestar atenção para compreender. O público fica, assim, apto para permanecer numa posição racional.
     O distanciamento em Felizmente Há Luar! tem ainda uma outra utilidade: por não representar nenhuma realidade concreta, não pode ser acusado de ser antissalazarista. É, portanto, uma crítica eficaz, em tempos de ditadura.

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O Teatro Brechtiano: Caraterísticas

     Previamente, o teatro clássico foi estudado. Este foi desenvolvido com base em fundamentos aristotélicos. A sua imagem de marca são as máscaras que representavam diferentes emoções. Estas máscaras pretendiam imitar a realidade. Para quê? Nada mais, nada menos do que fazer o público identificar-se com as personagens. Recordemos que este tipo de teatro era essencialmente pedagógico, de caráter instrutivo: provocando a piedade ou o terror no público, condicionava-se a multidão a aprender com os erros das personagens, ou melhor: a influenciar o público a não fazer aquilo que era condenado nas peças.
     O teatro épico, ou brechtiano, não pretende imitar a realidade, mas sim provocar a estranheza e o distanciamento do público. Se este não se identificar, não se envolver emocionalmente com nenhuma das personagens da peça, o seu pensamento deixa de estar toldados pelos seus sentimentos, permitindo, portanto, uma avaliação mais racional e crítica. O objetivo é, portanto, provocar uma atitude ativa no público, fazendo-o adotar uma posição crítica, social e / ou política. O espetador, em vez de sentir pena pela personagem, ou em vez de se amedrontar com uma ação, quebra a sua rotina, para refletir acerca de ações que se calhar tem feito, sem se aperceber dos seus impactos, ou sem se questionar: será que estou a agir bem?
     Por exemplo, os atores não tentam agradar ao público. Pelo contrário, querem chamar atenção. Muitas vezes, fazem de propósito para que seja difícil serem ouvidos: viram-se de costas, ou falam baixo, entre outras ações semelhantes. Desta forma, obrigam o público a prestar muita atenção ao que dizem: o espetador deixa a sua posição confortável na cadeira em que se senta.

«Esta teoria fundamenta-se numa análise marxista dos diferentes componentes do teatro e das suas relações com a sociedade: o espetador deve ser "produtivo", desempenhar um papel ativo na representação teatral. O autor, o encenador, o decorador e os atores não podem fazer-lhe imposições nem mergulhá-lo numa espécie de passividade hipnótica.
É preciso fazer apelo ao espírito crítico e a capacidade de julgamento do público, incitando-o a tomar decisões sociais.»
José António Camelo e Maria Helena Pecante, in «O Judeu» de Bernardo Santareno

     Concluímos, portanto, que o teatro brechtiano não é mimético. O seu objetivo é provocar uma atitude racional nos espetadores - algo conseguido através do distanciamento.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Foi inaugurada uma exposição sobre Fernando Pessoa e os seus heterónimos na sede da Fundação Calouste Gulbenkian – “Fernando Pessoa: Plural como o Universo”. Recuperaram uma arca que continha 25 mil “papéis” do poeta. Esta exposição pretende dar a conhecer a multiplicidade da obra do poeta. Um espaço completo de poemas, textos, documentos, fotografia e pintura, em que se incluem raridades como a primeira edição do livro Mensagem.  
Esta exposição pode ser visitada até 30 de Abril de 2012.


terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Álvaro de Campos

Características da poesia de Álvaro de Campos

Campos é o heterónimo mais complexo de Fernando Pessoa. O seu grande problema é a dor de pensar e para o tentar resolver arranja 3 soluções. Estas soluções dividem-se nas três fases do autor.
A primeira fase é a fase decadentista, a segunda fase é a fase futurista/ sensacionista e a terceira fase é a fase abúlica.
Campos – O Opiário (1.ªfase)
Esta fase data de Março de 1914 e diz respeito a um Campos doente, cansado do Mundo que o rodeia e que busca no ópio algum consolo. O sujeito poético não consegue sentir a vida sem pensar nela, por isso sente-se inadaptado e procura no ópio uma espécie de solução para a dor de pensar. O ópio permite-lhe adormecer o pensamento e tolerar melhor a vida.
Ex:    
“É antes do ópio que a minh'alma é doente.
  Sentir a vida convalesce e estiola
  E eu vou buscar ao ópio que consola
  Um Oriente ao oriente do Oriente” – Versos do poema “Opiário”
Na primeira quadra o poeta explica que consome ópio para fugir à dor de pensar, ou seja o ópio aparece como uma consequência à doença – quando ele não fuma está sempre doente pois não consegue deixar de pensar. Refere ainda que vai procurar o consolo num lugar distante, ao Oriente que simboliza o Paraíso e a salvação. O passado e o presente são comparados, proeza conseguida pelos efeitos do ópio. Vimos também que o ópio não é mais do que uma solução momentânea porque a sua doença está dentro dele e não é fugindo, que a conseguirá resolver. O ópio permite-lhe ainda o refúgio no passado o que torna ainda mais insuportável viver no presente.   
  
Campos – O Futurista/Sensacionista (2.ªfase)
Nesta fase o sujeito poético vive um sensacionismo excessivo, ou seja sente tudo de uma forma muito intensa, para que consiga deixar de pensar. O futurismo transmite movimento, velocidade e excesso – características do mundo industrializado. Campos pretende estar em completa harmonia com o meio das máquinas, mas como não consegue estar sempre a sentir tudo excessivamente desiste de tentar compreender o mundo através das sensações. A arte futurista visa chocar os outros, para tal, Campos recorre a versos muito longos, a anáforas apóstrofes, enumerações, exclamações e questões retóricas.
Ex:    
“À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
(…)
Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!
(…)
Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!
Hé-lá! He-hô Ho-o-o-o-o!
Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!
Ah não ser eu toda a gente e toda a parte! ” – Versos do poema “Ode Triunfal”
Neste poema a realidade provoca-lhe um estado febril e violento, resultante de sensações contraditórias. Existem marcas do estado febril em que o sujeito poético se encontra: os seus lábios estão secos e a cabeça arde-lhe. Este estado quase de delírio tem origem nos excessos do ambiente em que o sujeito poético se insere plenamente. O sujeito poético expressa o desejo de total identificação com as máquinas (símbolo de modernidade), estabelecendo com elas uma relação eufórica, delirante e quase doentia, assente num sensacionismo excessivo. Este poema tem um ritmo alucinante que é conseguido através das apóstrofes sucessivas, das interjeições, das repetições e das onomatopeias. A última estrofe do poema pode interpretar-se como uma confissão do fracasso, na medida em que o sujeito poético não conseguiu a plena identificação com o meio que pretendia.  






Campos – Fase abúlica (3.ªfase)
                Nesta fase, o poeta mostra-se abatido e descontente de si e dos outros. Nesta fase Campos aproxima-se muito do ortónimo no ceticismo, na dor de pensar e nas saudades da infância. Campos mostra-se pessimista e os seus poemas revelam o seu universo íntimo marcado pela solidão e pela inadaptação. Passou de uma fase eufórica para um momento de disforia onde se sente inadaptado e só.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto
.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
 (…)
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.” – Versos do poema “ Aniversário”
O poema “Aniversário” fala-nos da reflexão melancólica sobre o passado, a mágoa em relação ao presente e sensação de que o tempo passou. É referido também a inocência da criança e a sua despreocupação com o Mundo.

“Não: não quero nada.Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
(…)
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!” – Versos do poema “Lisbon Revisited (1923)


Neste poema, Campos revê a Lisboa da sua infância sem a reencontrar. A cidade está perdida para sempre, nada é capaz de a recuperar. Ali, ele sente-se como um estrangeiro. É como se nenhuma memória pudesse devolver o passado. Deste modo, o sujeito poético sente-se inadaptado na própria cidade onde nasceu, e nem as suas memórias o podem salvar desta inadaptação.   


Ricardo Reis

Reis é outro dos muitos heterónimos de Fernando Pessoa. Este teve uma educação latinista, desta forma os seus poemas são baseados na sintaxe latina - o verbo aparece no fim das frases, tem ainda influências dos Deuses e da filosofia grega. A sua poesia tem um estilo denso e construído, ou seja é um produto intelectual.
A poesia de Ricardo Reis é moralista- apresenta uma moral, transmite ensinamentos de vida e ainda é uma procura constante da perfeição.


Características da poesia de Ricardo Reis

A poesia de Ricardo Reis é marcada por duas características principais: o epicurismo e o estoicismo.
O epicurismo é uma doutrina filosófica que defende o prazer como caminho da felicidade. Para alcançar a felicidade, o homem bom deve atingir a ataraxia, ou seja tranquilidade absoluta, através dos prazeres moderados e evitando a dor. O homem não deve temer a morte e deve guiar-se no Mundo através das sensações sem esquecer que estas são sempre organizadas pela inteligência. Segundo o epicurismo, a vida do homem deverá ser sempre equilibrada e honesta.
Ex:
Não há tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
Assim saibamos,
Sábios incautos,
Não a viver,
Girassóis sempre
Fitando o Sol,
Da vida iremos
Tranquilos, tendo
Nem o remorso
De ter vivido.” – Estrofe 8 do poema “Mestre, são plácidas”

No poema “Mestre, são plácidas” Reis defende a filosofia de vida epicurista, para que o homem consiga atingir a ataraxia. No fim do poema, Reis, propõe-nos que saibamos não viver, mas passar como um rio porque o tempo passa de qualquer forma. Logo, não vale a pena fazer o que quer que seja. Desta forma morreremos tranquilos, já que nem sequer chegámos a viver.  



O estoicismo é uma corrente filosófica que defende a harmonia com a natureza e a aceitação das coisas tal como elas são, ou seja, aceitação do destino de uma forma tranquila, sem tentativas de o mudar. Reis considera que não vale a pena alimentar desejos ou esperanças pois é inútil tentar mudar algo que já está definido e também porque existe uma grande incompatibilidade entre aquilo que se deseja e aquilo que se alcança. O ideal é a apatia, a ausência de paixão e desejos.
Ex:
No poema “Cada um cumpre o destino que lhe cumpre”, o sujeito poético revela o seu conformismo face ao destino.
“Não tenhamos melhor conhecimento
Do que nos coube que de que nos coube.
Cumpramos o que somos.
Nada mais nos é dado
.” – 3.ª Quadra do poema “Cada um cumpre o destino que lhe cumpre”,

No poema “Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio”, é referido a ausência de paixões e desejos que o estoicismo defende.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
(…)
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
    Ouvindo correr o rio e vendo-o
.” – Versos do poema “Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.”,


O poeta defende ainda o prazer do momento (“carpe diem”) como caminho para a felicidade, ou seja devemos viver o momento presente, aproveitando moderadamente cada minuto pois é a única coisa que temos. No entanto, esse prazer deve ser vivido moderadamente, sem se ceder aos impulsos do destino.
Ex:
“Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma
,
Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,
Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.
(…)
Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio”
. – Poema “Não tenhas nada nas mãos”
Neste poema, para além de ser referido o ideal do “carpe diem”, também é referido que em vida devemos viver sozinhos, sem nos apegarmos a bens materiais nem a pessoas, pois quanto mais nos prendermos em vida às coisas, mais difícil vai ser de nos libertarmos delas quando a morte chegar.
“Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova
,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
    Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o o bolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
    Pagã triste e com flores no regaço.” – Últimas 2 estrofes do poema “Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.”
Este é outro exemplo de que não nos devemos apegar às coisas da vida, desta forma vamos ser mais felizes.


A nível formal, Reis revela um estilo trabalhado, rigoroso e clássico. Recorre à sintaxe clássica latina, à ode e emprega arcaísmos clássicos eruditas. 


quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Características estilísticas da poesia do Ortónimo

Simplicidade formal: Utilização frequente de estrofes com quatro ou cinco versos;

Sensibilidade musical: Recorre a aliterações, assonâncias, esquemas rimáticos ABAB e AABB que conferem ritmo ao poema;

Adjetivação expressiva: Utiliza  vários adjetivos para expressar o pensamento de forma rápida;

Pontuação emotiva: Através da utilização de reticências e exclamações, o poeta tenta reforçar as ideias expressas ao longo do poema;

Frases nominais: Utilização de frases sem verbos;

Símbolos tradicionais: Recorre a símbolos como a àgua, o mar e o rio que representam a vida.   

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Alberto Caeiro

Caracteristicas da poesia de Alberto Caeiro

  • Sensacionismo – compreende o mundo através dos sentidos, sendo a visão o mais importante. Ver é conhecer e compreender o mundo, por isso, pensa vendo e ouvindo.

Ex:
“E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pésE com o nariz e a boca.” – Versos 4 a 7 da primeira estrofe do poema “IX”

  • Recusa qualquer tipo de pensamento e dá importância à aquisição do conhecimento através das sensações. Desta forma elimina a dor de pensar que afeta o ortónimo.  
Ex:
“O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso
” – 1.ª estrofe do poema “Há metafísica bastante em não pensar em nada.”

“O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)” – Versos 16 e 17 do poema “II”

         Para Caeiro, “pensar” é estar doente dos olhos, pois só se não conseguir ver é que vai  imaginar as coisas, logo utilizar a razão.
  • Para Caeiro as coisas são aquilo que nós vemos, não tendo outro significado.
Ex:
“Porque sei que compreendo a Natureza por fora;
E não a compreendo por dentro
Porque a Natureza não tem dentro;
Senão não era a Natureza.”- Versos 23 a 26 do poema “XXVIII”

Nestas estrofes Caeiro afirma que não é necessário compreender a Natureza, porque ela não é mais do que aquilo que nós conseguimos captar através dos sentidos.


  • Alberto Caeiro é panteísta, ou seja, poeta da natureza, este vive em completa harmonia com o Mundo que o rodeia, dando a cada elemento natural o estatuto de Deus. Sente-se bem na natureza sem a transformar, ou seja adapta-se.
Ex:
“Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.” – Última estrofe do poema “IX”


  • Tem uma atração pela infância, como sinónimo de pureza, inocência e simplicidade, porque a criança não pensa, conhece pelos sentidos como ele – pela manipulação dos objetos através das mãos.  
Ex:
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras

Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo… - versos 5 a 12 do poema “II”

Nestas estrofes o poeta para além de demostrar a atração pela pureza duma criança, demostra a crença na eterna novidade do Mundo, ou seja, acredita que o Mundo está em constante mudança.

  • Caeiro não se preocupa com a passagem do tempo, este vive no presente e ignora o passado, assim como o futuro.

  • Vê o mundo sem necessidade de explicações e confessa que existir é um facto  maravilhoso. Para Caeiro o mundo é sempre diferente: por isso aproveita cada momento da vida e cada sensação na sua originalidade.

  • Caeiro considera que fazer poesia é uma atitude involuntária e espontânea.
Ex:
Li hoje quase duas páginas
Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.
Os poetas místicos são filósofos doentes
(…)
Por mim, escrevo a prosa dos meus versos
E fico contente
, (…) – versos do poemas “XXVIII”
Nestes versos o sujeito poético opõe a poesia dos poetas místicos que é elaborada, à sua que é espontânea e racional.

  • Caeiro aborda também a ideia de Deus, no Deus que nunca viu, não pode acreditar, mas num Deus palpável, visível nas coisas da Natureza, nesse o poeta acredita. Afirma ainda que se Deus está nos elementos naturais, lhe obedece naturalmente, caso contrário Deus não existe. Desta forma, Caeiro reforça a sua perspetiva pagã, ou seja, vive em harmonia com as suas crenças.
Ex:
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
 …
Mas se Deus é as flores e as árvores 
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele, - 5.º estrofe e os 3 primeiros versos da 6.ª estrofe do poema
“Há metafísica bastante em não pensar em nada.”


·         Alberto Caeiro utiliza um discurso poético simples e corrente, recorre a perguntas e respostas, frases curtas, repetições e frases interrogativas.