terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Álvaro de Campos

Características da poesia de Álvaro de Campos

Campos é o heterónimo mais complexo de Fernando Pessoa. O seu grande problema é a dor de pensar e para o tentar resolver arranja 3 soluções. Estas soluções dividem-se nas três fases do autor.
A primeira fase é a fase decadentista, a segunda fase é a fase futurista/ sensacionista e a terceira fase é a fase abúlica.
Campos – O Opiário (1.ªfase)
Esta fase data de Março de 1914 e diz respeito a um Campos doente, cansado do Mundo que o rodeia e que busca no ópio algum consolo. O sujeito poético não consegue sentir a vida sem pensar nela, por isso sente-se inadaptado e procura no ópio uma espécie de solução para a dor de pensar. O ópio permite-lhe adormecer o pensamento e tolerar melhor a vida.
Ex:    
“É antes do ópio que a minh'alma é doente.
  Sentir a vida convalesce e estiola
  E eu vou buscar ao ópio que consola
  Um Oriente ao oriente do Oriente” – Versos do poema “Opiário”
Na primeira quadra o poeta explica que consome ópio para fugir à dor de pensar, ou seja o ópio aparece como uma consequência à doença – quando ele não fuma está sempre doente pois não consegue deixar de pensar. Refere ainda que vai procurar o consolo num lugar distante, ao Oriente que simboliza o Paraíso e a salvação. O passado e o presente são comparados, proeza conseguida pelos efeitos do ópio. Vimos também que o ópio não é mais do que uma solução momentânea porque a sua doença está dentro dele e não é fugindo, que a conseguirá resolver. O ópio permite-lhe ainda o refúgio no passado o que torna ainda mais insuportável viver no presente.   
  
Campos – O Futurista/Sensacionista (2.ªfase)
Nesta fase o sujeito poético vive um sensacionismo excessivo, ou seja sente tudo de uma forma muito intensa, para que consiga deixar de pensar. O futurismo transmite movimento, velocidade e excesso – características do mundo industrializado. Campos pretende estar em completa harmonia com o meio das máquinas, mas como não consegue estar sempre a sentir tudo excessivamente desiste de tentar compreender o mundo através das sensações. A arte futurista visa chocar os outros, para tal, Campos recorre a versos muito longos, a anáforas apóstrofes, enumerações, exclamações e questões retóricas.
Ex:    
“À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
(…)
Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!
(…)
Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!
Hé-lá! He-hô Ho-o-o-o-o!
Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!
Ah não ser eu toda a gente e toda a parte! ” – Versos do poema “Ode Triunfal”
Neste poema a realidade provoca-lhe um estado febril e violento, resultante de sensações contraditórias. Existem marcas do estado febril em que o sujeito poético se encontra: os seus lábios estão secos e a cabeça arde-lhe. Este estado quase de delírio tem origem nos excessos do ambiente em que o sujeito poético se insere plenamente. O sujeito poético expressa o desejo de total identificação com as máquinas (símbolo de modernidade), estabelecendo com elas uma relação eufórica, delirante e quase doentia, assente num sensacionismo excessivo. Este poema tem um ritmo alucinante que é conseguido através das apóstrofes sucessivas, das interjeições, das repetições e das onomatopeias. A última estrofe do poema pode interpretar-se como uma confissão do fracasso, na medida em que o sujeito poético não conseguiu a plena identificação com o meio que pretendia.  






Campos – Fase abúlica (3.ªfase)
                Nesta fase, o poeta mostra-se abatido e descontente de si e dos outros. Nesta fase Campos aproxima-se muito do ortónimo no ceticismo, na dor de pensar e nas saudades da infância. Campos mostra-se pessimista e os seus poemas revelam o seu universo íntimo marcado pela solidão e pela inadaptação. Passou de uma fase eufórica para um momento de disforia onde se sente inadaptado e só.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto
.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
 (…)
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.” – Versos do poema “ Aniversário”
O poema “Aniversário” fala-nos da reflexão melancólica sobre o passado, a mágoa em relação ao presente e sensação de que o tempo passou. É referido também a inocência da criança e a sua despreocupação com o Mundo.

“Não: não quero nada.Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
(…)
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!” – Versos do poema “Lisbon Revisited (1923)


Neste poema, Campos revê a Lisboa da sua infância sem a reencontrar. A cidade está perdida para sempre, nada é capaz de a recuperar. Ali, ele sente-se como um estrangeiro. É como se nenhuma memória pudesse devolver o passado. Deste modo, o sujeito poético sente-se inadaptado na própria cidade onde nasceu, e nem as suas memórias o podem salvar desta inadaptação.   


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